"À medida que a crise financeira em curso desempenha crescente papel entre os migrantes do mundo - que frequentemente arriscam tudo pela magra esperança de um futuro melhor para suas famílias - também frequentemente são enganados por traficantes que exploram seu desespero", destaca a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, no relatório "Trafficking in Persons", publicado em junho.
Tais condições agravam o quadro global de fluxo migratório, cujas principais características e tendências são mostradas no infográfico abaixo, construído a partir de levantamentos feitos nos últimos dez anos.
O documento norte-americano aponta que a crise, além de aumentar a oferta de vítimas vulneráveis, também contribui do lado da demanda: cresce o número de empregadores interessados em garantir lucros a partir da exploração desumana de trabalhador migrante, e mais pessoas são empurradas para colaborar com redes de prostituição e tráfico de órgãos.
US$ 3 por 2.000 tijolos
Waleed trabalhava no forno de uma olaria até ser libertado, em 1997, após uma decisão em que a Justiça do Paquistão considerou suas condições de trabalho ilegais. Em liberdade, Waleed não encontrou meios para sustentar sua mulher e cinco filhos. Dez anos depois, ele voltou a trabalhar na olaria. Toda a família junta fazia em média 2.000 tijolos por dia, e recebiam US$ 3 em troca. Para pagar as despesas diárias, Waleed toma empréstimos com os proprietários da olaria e acumula uma dívida que não pode ser paga com o seu salário.
"Trafficking in Persons", 2009
O combate ao tráfico humano, no entanto, é uma tarefa que passa por diversos complicadores. Por um lado, é uma atividade que movimenta muito dinheiro, com um lucro anual global estimado em mais de US$ 31 bilhões, e que conta com uma rede de corrupção entre funcionários estatais. Ao mesmo, atinge com mais força as fatias menos protegias da sociedade e conta com a conivência silenciosa do preconceito.
"Temos uma sociedade machista, adultocêntrica e preconceituosa. O tráfico de pessoas é objeto de preconceito porque atinge mulheres, negros, pobres, crianças, e a população segregada socialmente", afirma Thaís Dumet, coordenadora do projeto de Combate ao Tráfico de Pessoas da OIT. Esse argumento se reflete nos números: mais de 80% das vítimas de tráfico humano são mulheres; 33% são mulheres destinadas à exploração sexual.
Sequestrado pela milícia
Lucien estava na escola no Congo quando milicianos de outra etnia o sequestraram junto com mais outros 11 garotos. Os soldados os levaram para um acampamento e os colocaram em um buraco no chão. Aqueles que tentavam resistir eram espancados. Lucien foi esfaqueado no estômago e amarrado até aceitar as condições impostas e começar a participar da milícia, inclusive enterrando corpos de soldados rivais. Muitos morreram de fome ou em razão de doenças. O garoto conseguiu escapar e hoje mora com uma família adotiva.
"Trafficking in Persons", 2009
"Está muito claro que ter um banco de dados é uma necessidade premente. Todos que estão na luta contra o tráfico de pessoas são unânimes em dizer isso. É necessário unificar as informações do poder público, órgãos internacionais e entidades da sociedade civil que atuam nessa área. As informações muitas vezes não são as mesmas porque as fontes são diferentes", afirma Adriana Maia, assistente do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc, em inglês).
Embora as tendências gerais sejam identificáveis, como mostra o gráfico acima, os números levantados nesse setor são sempre divergentes e não dão conta de todas as variáveis de uma indústria sempre à procura de novas brechas. "As rotas mudam muito", explica Maia. "O crime organizado é muito criativo e se renova".
Guilherme Balza e Thiago Scarelli
Do UOL Notícias
Em São Paulo