quinta-feira, 8 de julho de 2010

Cinco anos depois, permanece o mistério da cueca



Quase meio milhão apreendido há cinco anos pela Polícia Federal em São Paulo ainda está sob custódia da Justiça. O dono da cueca, onde foram encontrados US$ 100 mil, mantém um mercadinho e não revela a origem do recurso

No mercadinho RL, o proprietário, José Adalberto Vieira da Silva, é quem atende pessoalmente aos clientes no caixa. Difícil é ligá-o à imagem daquele que há cinco anos protagonizou um dos piores momentos de crise do Governo Lula (PT), considerado pelo próprio presidente: detido pela Polícia Federal, no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, com R$ 200 mil numa maleta e US$ 100 mil na cueca, ele colocaria em xeque a imagem do partido e do Governo, em 8 de julho de 2005.

Na ocasião, Adalberto era secretário de organização do PT cearense e assessor do deputado José Guimarães (PT) - irmão do então presidente nacional do partido, José Genoino. O partido e o governo Lula passavam por uma crise deflagrada por denúncias de um suposto ''mensalão'' para deputados.

Adalberto foi preso por violar a legislação relativa aos crimes contra o sistema financeiro e contra a ordem tributária. Pelas normas do Banco Central, para circular com dólares dentro do País deve-se comprovar de onde comprou e de instituição autorizada. Para a moeda nacional, não há restrições.

O POVO foi à procura de Adalberto e o encontrou na venda, enquanto era abastecida por um caminhão. Depois de um tempo morando em um distrito no interior do Ceará, abriu o comércio há cerca de um ano no município de Aracati, distante 148,3 quilômetros de Fortaleza. Vende alimentos, sandálias e material escolar.

Ao perceber que se tratava de reportagem, Adalberto não quis dar entrevista nem ser fotografado, fazendo gesto imitando um ziper na boca. E fechou o estabelecimento para o almoço. “Já disse que não vou falar. Vocês insistem em me procurar”, reclamou.

Localizado no bairro Pedregal, periferia de Aracati, o mercadinho RL nem é o mais “sortido” da ruazinha de piçarra, chamada Esperança. “Mas é o único que tem queijo e presunto”, ressaltou o motorista Welington Rodrigues.

Segundo os vizinhos, Adalberto mora na pequena casa ao lado do comércio. E, apesar da rotina simples, é considerado um dos poucos “ricos” do local. “Ele só passa aqui de carro”, observou a dona de casa, Alexandra Vieira, em conversa na calçada de Edilze de Sousa, na rua que fica por trás da casa de Adalberto.

Ao perguntar por ele em Aracati, com o nome de Adalberto, muitos não lembravam. Mas, ao fazer referência ao acontecido com a “cueca”, logo refrescavam a memória. “Ah, sei. A irmã dele mora aí na outra rua”.

A conversa que rola de boca em boca no bairro é a de que Adalberto deve receber o dinheiro apreendido na ocasião. “Ele vai receber aquele dinheiro todo no ‘cuecão’”, brincou Welington Silva.

Mas engana-se quem pensa que os moradores de Pedregal se revoltam com a situação ou acham que Adalberto tirou dinheiro de alguém. O que ficou mesmo foi a piada. “Ô besteira né? Ninguém foi preso. O pessoal fresca com a cueca, mas vergonha faz matar e roubar. O dinheiro, disse que foi de doação de políticos. Não sei de quem era, só sei que não era meu”, defendeu Welington, com risinho contido.

O dinheiro
O dinheiro apreendido com Adalberto ainda está sob guarda da Justiça. O advogado dele, Neuzemar Gomes, disse que seu cliente irá aguardar o final do processo para decidir se irá requerer a quantia apreendida. O advogado confirmou que Adalberto conseguiu reaver um automóvel que estava bloqueado, devido às ações judiciais. Segundo Neuzemar, Adalberto manterá a versão de que o dinheiro era de um empresário de Aracati, para abrir um negócio.

São duas ações envolvendo o escândalo da cueca. Uma é a ação civil pública, que tramita na 10ª Vara da Justiça Federal e a outra, de natureza penal, está na Procuradoria Geral da República à espera de um parecer para um provável encaminhamento ao Supremo Tribunal Federal (STF).

ENTENDA O CASO

8 de julho de 2005
O então assessor parlamentar, Adalberto Vieira, que embarcava rumo a Fortaleza, foi detido pela Polícia Federal no aeroporto de Congonhas, com R$ 200 mil em uma valise e US$ 100 mil presos ao corpo, na cueca..

14 de Julho de 2005
É descoberto ser de Vicente Ferreira - também assessor parlamentar, o cheque que pagou a viagem de Adalberto a São Paulo.

José Vicente Ferreira declara que o então assessor especial do BNB, Kennedy Moura, seria o dono do dinheiro, e a intenção seria utilizá-lo para financiar uma empresa de locação de veículos em Aracati

Adalberto, ao depor na Polícia Federal, diz que o dinheiro pertenceria a um empresário do município de A racati.

19 de julho de 2005
Adalberto diz que o dinheiro foi de um “amigo”, de quem não revela o nome e exime de envolvimento o deputado José Guimarães e Kennedy Moura.

Junho de 2010
Adalberto Vieira pede a anulação do bloqueio de um automóvel de sua propriedade e tem o pedido deferido - ou seja acatado. >

O inquérito, iniciado pela Polícia Federal de São Paulo, e continuado pela PF do Ceará, é concluído. O documento é encaminhado ao Ministério Público Federal, que alega não ter competência para tratar do assunto e encaminha para a Justiça Federal. A Justiça Federal, então, encaminhou para a Procuradoria Geral da República para decidir se acata ou não a denúncia.

A Ação Civil Pública, por improbidade administrativa, que cita empresas, além dos personagens relatados citados, está em fase de coleta de provas.

Julho de 2010
Advogado de Adalberto Vieira diz que ele manterá versão de que o dinheiro é de um “amigo” empresário de Aracati.

Fonte: O Povo Online

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