segunda-feira, 13 de julho de 2009

Ronda sob investigação


A história mais curiosa, dentre as mais proibidas do Ronda, é a do policial que levou a amante casada para namorar dentro da viatura e acabou flagrado pelo áudio. (Foto: CONCEPÇÃO GRÁFICA GIL DICELLI/ FOTO EVILÁZIO BEZERRA)
Noite em Caucaia. Turno C (das dez da noite às seis da manhã) de um plantão policial. Uma Hilux do Ronda do Quarteirão está parada em local ermo. Não há casas nas proximidades, a iluminação do lugar é precária e nenhum carro vem ou vai. Dentro da viatura refrigerada, um soldado troca carícias, beijos e gemidos com uma garota. De repente, o toque do telefone os interrompe. É o celular da moça. Depois de algumas desculpas e respostas monossilábicas, e após desligar o telefone, ela se aperreia: “É meu marido!”

Incontinente o idílio se desfaz e, rapidamente, a viatura retorna para um dos bairros de Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza. A garota desce em um local que não dá na vista alheia. E em seguida um outro militar, deixado em um bar para não atrapalhar o affair, reembarca na Hilux. “Tu num tem medo de morrer, não, macho?”. Escutam-se risos e os dois retomam o patrulhamento da área. A equipe do Ronda é composta por três militares. Curiosamente, neste caso, não se tem notícia do terceiro.

A narrativa, registrada no áudio do próprio veículo, é enredo de uma das 210 denúncias que estão sendo investigadas contra policiais do Ronda do Quarteirão desde o começo deste ano. Na Corregedoria Geral dos Órgãos de Segurança Pública do Ceará há uma pilha de processos. Alguns casos já foram comprovados através de fotos, áudios e vídeos. Como a história dos policiais vândalos que destruíram criminosamente equipamentos mecânicos e de informática instalados nas modernas picapes. A tecnologia adquirida como aliada do trabalho policial está sendo avariada. Sabotagem utilizada para encobrir crimes dos militares.

Além da viatura que se transformou em motel e da destruição de equipamentos, há ainda registro de supostas extorsões, cerca de 90 notícias sobre violação de direitos do cidadão - espancamentos, torturas, abusos de poder, invasão de domicílio. Justamente as práticas nefastas e viciadas que o Governo tenta banir através do Ronda.

A enxurrada de denúncias contra o Ronda do Quarteirão, principal aposta na área da segurança pública do Governo Cid Gomes (PSB) e que contou com a boa aceitação da população, causou ira em Cid e uma saia justa na Corregedoria. A cúpula do governo convocou às pressas, há dois meses, o corregedor-geral José Armando da Costa. Impossibilitado, alegando problema de agenda, Armando enviou uma delegada-corregedora.

No Palácio Iracema, perguntou-se à delegada se o Ronda já teria alcançado patamares como o da polícia canadense, exemplo de eficiência e civilidade. Ironia. Na indagação, estava embutida a indignação com a morosidade da Corregedoria em apurar denúncias de desvios da conduta de policiais. Em especial, acusações contra os integrantes do Ronda. Quase nenhuma das 210 denúncias eram do conhecimento do Corregedor-Geral.

Um primeiro escalão do Palácio Iracema sacou para a delegada-corregedora um dossiê de irregularidades e supostos crimes cometidos por homens do Ronda. O relatório, inédito para a Corregedoria-Geral, é parte de uma estratégia de Cid Gomes para aferir o desempenho do projeto que foi notícia nacional e chamou atenção dos governos da Bahia, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte.

Cid contratou uma empresa para fazer uma pesquisa bimestral, qualitativa e quantitativa, sobre a atuação de sua “polícia cidadã”. Uma promessa de campanha decisiva para sua eleição em 2006 e trunfo para 2010. O resultado da investigação não foi dos melhores para o batalhão diferenciado, que tem contingente de 1.551 policiais e que está nas ruas há apenas um ano e oito meses, desde 22 de novembro de 2007.

O Palácio Iracema exigiu punições exemplares para quem cometeu desvio. Dos 210 processos, três já resultaram em expulsões de três policiais. É fato que o percentual de denúncias pode ser considerado pontual em relação ao número de policiais. Porém, além da lentidão da Corregedoria, o silêncio da tropa preocupa pela conivência e omissão. O certo é que a conversa entre o emissário do governador e a delegada-corregedora não seguiu confortável. Ficou o recado para que a Corregedoria caísse em si e agisse para evitar que vá por água abaixo um dos melhores programas do governo, tão caro também ao cidadão.

Fonte: Jornal O POVO

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